domingo, 19 de outubro de 2014


Ei Branca!



Então, eles chegaram ao sinal. Era inicio da noite e os carros conduziam as pessoas de volta para suas casas depois seu dia fatalmente frustrante. Um caminhão passou por eles e a fumaça fedida e, se a luz permitisse enxergar naquela hora, escura, aqueceu o corpo do menino. No bar do outro lado da rodovia, um homem vomitou na calçada, cuspiu, limpou a boca na manga da camisa e cambaleou um pouco enquanto praguejava a vida e uma tal de Meire que ninguém sabe exatamente quem era. Era possível ver pela luz do poste, que chuviscava, o que aumentava a sensação de frio, em contraste com o calor que fora durante a tarde.

-Tô com fome- disse a criança, com uma voz fina e um cabelo que fazia com que a cabeça parecesse maior do que realmente era.

-E eu que quero? Também to - respondeu o homem.

-Compre alguma coisa pra a gente.

-O dinheiro que eu tenho aqui só vai dar para comprar as coisas de casa no mercadinho e minha carteira de cigarros.

-Fumar parece ser mais importante que comer né?- disse o menino num tom de zombaria, o qual logo se arrependeu graças ao cascudo que lhe foi ameaçado ganhar.

Ele calou-se. Não o homem, o menino. O homem vinha o caminho inteiro fazendo piadas sem graça, contando vantagem, planejando o dia seguinte e cantando músicas sobre bebidas e raparigas. O menino vinha com uma cara de choro, e vez ou outra enxugava um dos olhos na frente da camisa, que a essa altura, já estava com alguns riscos de lodo.

O homem viu, numa das horas que o menino levantou a camisa para enxugar o rosto mais uma vez, e começou a rir chamando-o de chorão e catarrento. Parou alguns passos depois, tirou algumas notas úmidas e amassadas dos bolsos e entregou na mão de dedos finos e compridos do menino.

-vá lá em Branca e compre uns pão pra a gente.

-Quem é Branca?

-A mulher daquela lanchonete ali- disse apontando o dedo com um calo de sangue pisado e uma unha mal cortada, em direção a uma lanchonete pequena, um pouco  longe deles- tanto tempo que anda comigo e ainda não aprendeu nada, deixe de ser burro.

-Viu.

- E traga o troco, que esse ai era o dinheiro do meu cigarro.

                                                                           ...
-Brannnnnnnnnnca! Branca, Branca, ei Branca – Gritava ele no balcão

-Que é menino? Eu tô aqui.

-Branca, sabia que se você fosse da minha cor seu nome ia ser Marrom?

-Você veio aqui comprar alguma coisa ou ficar dizendo besteira?

-Quero comprar pão – respondeu com um sorriso grande no rosto de queixo pontudo.

-Acabou o pão, só tem pastel, vai querer?

-Não sei, acho melhor não, o dinheiro pode não dar.

-Quanto você tem?

-Quatro real.

- Dá.

O menino colocou as mãos, animado, no bolso para puxar as notas. Triste desilusão,  encontrou apenas um buraco por onde passavam facilmente seus dedos. Sentiu as lágrimas vindo aos olhos e saiu correndo da lanchonete, sendo quase atropelado por uma moto que ali passava feroz e imprudente. Seu chinelo saiu do pé e ele voltou para pegar e constatou que o prego que havia colocado na correia saíra do lugar. Acalmou-se, ajeitou o chinelo, e voltou para perto do adulto. Pelo jeito, o cascudo que lhe foi prometido deixaria de ser promessa.