Ei Branca!
Então, eles chegaram ao sinal. Era inicio da noite e os
carros conduziam as pessoas de volta para suas casas depois seu dia fatalmente
frustrante. Um caminhão passou por eles e a fumaça fedida e, se a luz
permitisse enxergar naquela hora, escura, aqueceu o corpo do menino. No bar do
outro lado da rodovia, um homem vomitou na calçada, cuspiu, limpou a boca na
manga da camisa e cambaleou um pouco enquanto praguejava a vida e uma tal de
Meire que ninguém sabe exatamente quem era. Era possível ver pela luz do poste,
que chuviscava, o que aumentava a sensação de frio, em contraste com o calor
que fora durante a tarde.
-Tô com fome- disse a criança, com uma voz fina e um cabelo
que fazia com que a cabeça parecesse maior do que realmente era.
-E eu que quero? Também to - respondeu o homem.
-Compre alguma coisa pra a gente.
-O dinheiro que eu tenho aqui só vai dar para comprar as
coisas de casa no mercadinho e minha carteira de cigarros.
-Fumar parece ser mais importante que comer né?- disse o
menino num tom de zombaria, o qual logo se arrependeu graças ao cascudo que lhe
foi ameaçado ganhar.
Ele calou-se. Não o homem, o menino. O homem vinha o caminho
inteiro fazendo piadas sem graça, contando vantagem, planejando o dia seguinte
e cantando músicas sobre bebidas e raparigas. O menino vinha com uma cara de
choro, e vez ou outra enxugava um dos olhos na frente da camisa, que a essa
altura, já estava com alguns riscos de lodo.
O homem viu, numa das horas que o menino levantou a camisa
para enxugar o rosto mais uma vez, e começou a rir chamando-o de chorão e
catarrento. Parou alguns passos depois, tirou algumas notas úmidas e amassadas
dos bolsos e entregou na mão de dedos finos e compridos do menino.
-vá lá em Branca e compre uns pão pra a gente.
-Quem é Branca?
-A mulher daquela lanchonete ali- disse apontando o dedo com
um calo de sangue pisado e uma unha mal cortada, em direção a uma lanchonete
pequena, um pouco longe deles- tanto
tempo que anda comigo e ainda não aprendeu nada, deixe de ser burro.
-Viu.
- E traga o troco, que esse ai era o dinheiro do meu
cigarro.
...
-Brannnnnnnnnnca! Branca, Branca, ei Branca – Gritava ele no
balcão
-Que é menino? Eu tô aqui.
-Branca, sabia que se você fosse da minha cor seu nome ia
ser Marrom?
-Você veio aqui comprar alguma coisa ou ficar dizendo
besteira?
-Quero comprar pão – respondeu com um sorriso grande no
rosto de queixo pontudo.
-Acabou o pão, só tem pastel, vai querer?
-Não sei, acho melhor não, o dinheiro pode não dar.
-Quanto você tem?
-Quatro real.
- Dá.
O menino colocou as mãos, animado, no bolso para puxar as
notas. Triste desilusão, encontrou
apenas um buraco por onde passavam facilmente seus dedos. Sentiu as lágrimas
vindo aos olhos e saiu correndo da lanchonete, sendo quase atropelado por uma
moto que ali passava feroz e imprudente. Seu chinelo saiu do pé e ele voltou
para pegar e constatou que o prego que havia colocado na correia saíra do
lugar. Acalmou-se, ajeitou o chinelo, e voltou para perto do adulto. Pelo
jeito, o cascudo que lhe foi prometido deixaria de ser promessa.